Dupla travessia do Estreito de Gibraltar, a solo e a nado
Paulo Sousa, nadador algarvio atira-se de cabeça e propõe-se nadar entre Tarifa e Punta Cires e regressar a Espanha, tentando evitar as orcas. Poderá ser o primeiro português a fazê-lo.
Paulo Sousa poderá ser o primeiro português a realizar a dupla travessia do Estreito de Gibraltar, mas para o conseguir terá de nadar a bom ritmo para escapar às correntes, aos navios e à cadeia alimentar que habita os 14 quilómetros que separam Tarifa (Espanha) de Punta Cires (Marrocos) e até aos 900 metros de profundidade.
"No estreito de Gibraltar passa a cavala e atrás da cavala vem o atum, e atrás do atum vem a orca, e depois há a rota dos tubarões" - fotografa Paulo Sousa que, mesmo ciente dos perigos, se lança numa campanha de angariação de fundos que o leve de novo até ao mar aberto, onde mais gosta de nadar.
Aos 39 anos, o nadador algarvio admite que a tarefa não é fácil, mesmo a seco: "Isto é quase tão complicado como fazer a travessia, mas estou à espera de conseguir. Tenho o compromisso de juntar o montante total, que são 3100 euros e o processo só avança - em julho ou agosto, que é a melhor altura do ano para a travessia - se o fizer ao próximo dia 25."
Apesar de ter só reunido parte da verba (cerca de 20%) necessária, o nadador profissional mas também treinador da seleção nacional de Síndrome de Down, na O2 em Portimão, promete não baixar os braços: "Eu não paro. Ando todo roto. Faço 15 quilómetros todos os dias, depois nado quatro, cinco quilómetros, mas tenho que começar a nadar mais. Aos sábados, costumo fazer um percurso de caiaque de 40 quilómetros."
35 quilómetros em piscina
Há duas semanas, em Guimarães, Paulo Sousa superou o desafio de nadar 12 horas seguidas, e com distinção: "A primeira vez que fiz as 12 horas tinha 18 anos e nadei 28 quilómetros com pausas. Agora, aos 39 anos, e sem apoio na parede da piscina durante as viragens, fiz 35 quilómetros!", diz, soltando uma gargalhada de orgulho e de satisfação.
A mesma emoção e o mesmo sentimento de dever cumprido que espera voltar a sentir este verão quando poderá repetir a experiência de 2010, na estreia nas águas salgadas do norte de África, quando cruzou o Estreito de Gibraltar com três outros nadadores portugueses. Agora, quer repetir a experiência a solo e com bilhete de ida e volta.
"É uma loucura completa, mas os desafios são mesmo assim. Nessa altura, ir em grupo foi muito importante para mim, sentia-me mais protegido e gosto muito de trabalhar em equipa, mas sozinho a adrenalina é muito maior."
Enquanto nadava ao longo de 17 quilómetros (mais três do que de Espanha a Marrocos em linha reta, devido a acertos feitos durante a prova), Paulo Santos conseguiu abstrair-se de tudo. Aproveitou para pensar na vida, passado e futuro. Ia lendo os sinais que o corpo lhe dava, porque uma dor forte pode implicar uma paragem.
Quanto às necessidades de abastecimento, parece que lhe passam ao lado, assim como o cansaço. "Quando fiz a travessia tive a sensação de que poderia regressar. Contra o cansaço talvez consiga ter uma mente forte, aliás, para fazer 35 quilómetros a nadar é preciso ter muita cabeça... Já contra o frio não há nada a fazer. Não nos podemos armar em campeões porque com hipotermia há uma altura em que a pessoa perde os sentidos e acabou..."
Duas ou três barritas de banana e mais umas garrafas de bebidas energéticas foram o alimento suficiente para o nadador chegar à meta marroquina de Punta Cires.
Apoio técnico e não só...
"Há um pensamento que não ocorre como nas outras provas de cinco, dez quilómetros, em que sabemos que vamos terminar. Num desafio como este, estamos sempre em sobressalto para todos os sinais que o nosso corpo nos dá, porque podem ser um sinal de desistência", esclarece o nadador algarvio.
Essa informação é reportada à organização, que segue no barco de apoio. À frente, vai o barco-piloto, que os nadadores seguem com atenção, para não falharem as correcções que vão sendo feitas na rota. É nessa embarcação, equipada com GPS, que são monitorizadas as correntes, a temperatura da água e a diferença entre a distância absoluta e a percorrida pelo nadador, para que este saiba o que ainda tem pela frente.
Com o aval da ACNEG, associação que organiza estas travessias desde 1900 (que não tem registo de acidentes com nadadores) e o apoio de alguns familiares, Paulo Sousa estende o apelo a todos para que possa realizar o sonho. Quem sabe se com um pouco de sorte consegue ver, desta feita, a baleia que lhe escapou há dois anos e que costuma aparecer para mostrar os seus dotes de nadadora.
"Eu gostava que isso acontecesse. Só quando já estávamos no barco à vinda para Espanha é que fomos presenteados com golfinhos, imensos, imensos, nem se conseguiam contar junto ao barco", recorda.
Atravessar o estreito não é barato
Ser o primeiro português a ligar a nado, com ida e volta, os dois continentes é o feito que Paulo Sousa gostava de deixar registado.Determinado, defend que vale sempre a pena acreditar, apesar das dificuldades: "Acho que os portugueses precisam disso, de ligar a televisão, o rádio ou um jornal e ver uma notícia boa. Poder ser o primeiro português a fazer a dupla travessia do Estreito de Gibraltar, isso seria uma boa notícia, é isso que nos faz viver, acreditar nos nossos sonhos. É essa a mensagem que queria transmitir com este meu projecto", finaliza
Se o montante financeiro - 3100 euros - não for atingido até ao próximo dia 25, as verbas doadas através do link de crowdfunding serão devolvidas e o projecto ficará cancelado.
O tempo ainda conta na ampulheta de Paulo Sousa, apesar de faltarem poucos dias para expirar o prazo de um sonho que o atleta não quer ver ficar por terra.
------------------------
Fonte: Expresso
Sem comentários:
Enviar um comentário