sábado, 9 de março de 2013

Mulher

"Carta à mulher inteligente que eu amo.


Hoje escrevo à mulher inteligente que eu amo.
Hoje escrevo-te para te dizer que até quando falhas acertas em cheio, que até quando choras tens o sorriso mais lindo do mundo. Hoje escrevo-te para me escrever a mim – para me dizer que sou o cabrão mais abençoado que a terra conhece, o gajo mais feliz que o planeta há-de ser capaz de conhecer. Hoje escrevo-te para te poder dizer o que não sei dizer, o que palavra alg...uma há-se ser capaz de dizer. Porque não se diz o que nos une, não se diz o que nos somos. Não se diz o que teu olhar diz no meu, o que o meu olhar entra no teu. Não se diz o que te quero dizer. E está tudo dito.

Hoje escrevo à mulher inteligente que eu amo.
Hoje escrevo-te para te dizer que é a inteligência o melhor tempero. Que é quando me abres os problemas com as tuas soluções – e não quando me abres as pernas – que realmente me sinto excitado. Que é quando me contas o que te passa na mente – as ideias que te invadem, os sonhos que te enchem, a vida que exiges viver – que definitivamente me sei teu escravo, indecente. Que é pornográfica de tão brilhante a tua cabeça, que é indecoroso de tão belo o que vês para além dos olhos. Hoje escrevo-te para te falar disso – daquilo que és diante daquilo que eu sou. Hoje escrevo-te para te explicar o que é a mulher inteligente. Senta-te, aprecia. E por favor pensa. Nunca pares de pensar. Delícia.

Sou doente pela mulher inteligente.
Sou fanático pela mulher inteligente. Sou viciado na inteligência da mulher inteligente. Preciso dela, exijo-a a toda a hora, persigo-a como um cão com fome persegue o osso. Sou obcecado pela mulher inteligente. A mulher inteligente é a criação suprema de Deus. A mulher inteligente é o próprio Deus. A mulher inteligente, suspeito, deve ser mesmo uma forma superior do próprio Deus. Até Deus tem inveja da mulher inteligente. Meu Deus.

A mulher inteligente despreza o que a mulher não-inteligente ama.
A mulher inteligente não quer saber da conta bancária, não quer saber da marca do carro, da maquilhagem na cara. A mulher inteligente veste Prada a cada vez que fala, a cada vez que pensa. A mulher inteligente faz do que é um estilo, do que defende uma lei, do que parece uma moda. A mulher inteligente faz do tesão um estado de alma. A mulher inteligente dá-me tesão. Mmmm.

Partilhar a vida com uma mulher inteligente é a única forma de partilha possível.
Só com ela consigo partilhar, só a ela consigo dizer tudo o que sinto, tudo o que sou. Só ela saberá como eu sei – e depois de pensar um pouco saberá muito melhor do que eu sei – aquilo que eu quero dizer com aquilo que eu estou a dizer. Sim: a mulher inteligente sabe mais do seu homem do que alguma vez o próprio homem saberá. E só um homem burro se sente inferiorizado com uma mulher inteligente. Viver com uma mulher inteligente é um milagre que só mentes pequenas não gozam à grande. Viver com uma mulher inteligente é um privilégio que muito poucos estão à altura de degustar. Não é qualquer um que está à altura de rastejar e de ser rastejado. Viver com uma mulher inteligente não é uma humilhação – é uma diversão, uma animação, um verdadeiro vulcão. E é só dentro de um vulcão que a temperatura aquece. Ai.

A mulher inteligente aquece – as outras nem aquecem nem arrefecem.
A mulher inteligente é inteligente na pele, nos lábios, nas orelhas, no nariz, no rabo. A inteligência da mulher inteligente alastra-se, contrasta-se. A mulher inteligente lambe como se lesse Dostoiévski, fornica como se citasse Proust, abraça como se tivesse descoberta a cura para a morte. E é: a cura para a morte está em abraçar como se fosse a cura, em fornicar como se fosse Proust, em lamber como se fosse Dostoiévski. A mulher inteligente faz de tudo o que faz um acto inteligente. A mulher inteligente, apesar de ser inteligente comó catano, não deixa de ser selvagem comó catano. Nada é mais selvagem do que a inteligência da mulher inteligente. A inteligência da mulher inteligente é animalesca, anárquica, sedenta, esfomeada, predadora, insaciável. Sem deixar de ser racional, organizada, consolada, vítima, realizada. A mulher inteligente é os dois lados de todo o lado. A mulher inteligente é todo o lado de todos os lados. A inteligência da mulher inteligente não tem rei nem roque – e é por isso que ela é uma rainha, uma estrela, a senhora de todas as senhoras. A mulher inteligente não tem um pingo de vergonha. Mesmo que seja tímida, mesmo que não mostre, de todo, a todos, aquilo que é: a mulher inteligente não tem um pingo de vergonha. É uma desavergonhada da pior espécie, uma descarada sem remédio. A mulher inteligente é a pêga preferida do seu homem – que é, claro está, o único cliente que ela admite na sua inteligência. A mulher inteligente não tem dono nem é dona – mas gosta de mandar e de ser mandada, de saltar e de ser saltada, de dançar e de ser dançada. A mulher inteligente exige ser seduzida a toda a hora – porque tudo o que ela faz, a toda a hora, é seduzir. Até um arroto de uma mulher inteligente seduz – de tão inteligente que é. A mulher inteligente seduz com tudo o que faz, a toda a hora em que o faz, de toda a maneira que o faz. E nada é mais certo do que isso: se a mulher inteligente o faz é porque era assim que tinha de ser feito. Bem feita.

Hoje apetece-me escrever à minha mulher inteligente e dizer-lhe que tem em si todas as obras-primas da História da arte.
Hoje apetece-me escrever-te e dizer-te que a vida só existe para que tu possas estar viva. Hoje apetece-me dizer-te, sim, que tudo o que tenho para te dizer já foi dito. Mas que o mais importante do que te quero dizer é o que ficou por dizer. Digo-to ao ouvido daqui a pouco. "
 
Foto: Carta à mulher inteligente que eu amo.
Pedro Chagas Freitas

Hoje escrevo à mulher inteligente que eu amo. 
 Hoje escrevo-te para te dizer que até quando falhas acertas em cheio, que até quando choras tens o sorriso mais lindo do mundo. Hoje escrevo-te para me escrever a mim – para me dizer que sou o cabrão mais abençoado que a terra conhece, o gajo mais feliz que o planeta há-de ser capaz de conhecer. Hoje escrevo-te para te poder dizer o que não sei dizer, o que palavra alguma há-se ser capaz de dizer. Porque não se diz o que nos une, não se diz o que nos somos. Não se diz o que teu olhar diz no meu, o que o meu olhar entra no teu. Não se diz o que te quero dizer. E está tudo dito.

Hoje escrevo à mulher inteligente que eu amo. 
 Hoje escrevo-te para te dizer que é a inteligência o melhor tempero. Que é quando me abres os problemas com as tuas soluções – e não quando me abres as pernas – que realmente me sinto excitado. Que é quando me contas o que te passa na mente – as ideias que te invadem, os sonhos que te enchem, a vida que exiges viver – que definitivamente me sei teu escravo, indecente. Que é pornográfica de tão brilhante a tua cabeça, que é indecoroso de tão belo o que vês para além dos olhos. Hoje escrevo-te para te falar disso – daquilo que és diante daquilo que eu sou. Hoje escrevo-te para te explicar o que é a mulher inteligente. Senta-te, aprecia. E por favor pensa. Nunca pares de pensar. Delícia.
 
Sou doente pela mulher inteligente. 
 Sou fanático pela mulher inteligente. Sou viciado na inteligência da mulher inteligente. Preciso dela, exijo-a a toda a hora, persigo-a como um cão com fome persegue o osso. Sou obcecado pela mulher inteligente. A mulher inteligente é a criação suprema de Deus. A mulher inteligente é o próprio Deus. A mulher inteligente, suspeito, deve ser mesmo uma forma superior do próprio Deus. Até Deus tem inveja da mulher inteligente. Meu Deus.
 
A mulher inteligente despreza o que a mulher não-inteligente ama. 
 A mulher inteligente não quer saber da conta bancária, não quer saber da marca do carro, da maquilhagem na cara. A mulher inteligente veste Prada a cada vez que fala, a cada vez que pensa. A mulher inteligente faz do que é um estilo, do que defende uma lei, do que parece uma moda. A mulher inteligente faz do tesão um estado de alma. A mulher inteligente dá-me tesão. Mmmm.
 
Partilhar a vida com uma mulher inteligente é a única forma de partilha possível.
 Só com ela consigo partilhar, só a ela consigo dizer tudo o que sinto, tudo o que sou. Só ela saberá como eu sei – e depois de pensar um pouco saberá muito melhor do que eu sei – aquilo que eu quero dizer com aquilo que eu estou a dizer. Sim: a mulher inteligente sabe mais do seu homem do que alguma vez o próprio homem saberá. E só um homem burro se sente inferiorizado com uma mulher inteligente. Viver com uma mulher inteligente é um milagre que só mentes pequenas não gozam à grande. Viver com uma mulher inteligente é um privilégio que muito poucos estão à altura de degustar. Não é qualquer um que está à altura de rastejar e de ser rastejado. Viver com uma mulher inteligente não é uma humilhação – é uma diversão, uma animação, um verdadeiro vulcão. E é só dentro de um vulcão que a temperatura aquece. Ai.
 
A mulher inteligente aquece – as outras nem aquecem nem arrefecem. 
 A mulher inteligente é inteligente na pele, nos lábios, nas orelhas, no nariz, no rabo. A inteligência da mulher inteligente alastra-se, contrasta-se. A mulher inteligente lambe como se lesse Dostoiévski, fornica como se citasse Proust, abraça como se tivesse descoberta a cura para a morte. E é: a cura para a morte está em abraçar como se fosse a cura, em fornicar como se fosse Proust, em lamber como se fosse Dostoiévski. A mulher inteligente faz de tudo o que faz um acto inteligente. A mulher inteligente, apesar de ser inteligente comó catano, não deixa de ser selvagem comó catano. Nada é mais selvagem do que a inteligência da mulher inteligente. A inteligência da mulher inteligente é animalesca, anárquica, sedenta, esfomeada, predadora, insaciável. Sem deixar de ser racional, organizada, consolada, vítima, realizada. A mulher inteligente é os dois lados de todo o lado. A mulher inteligente é todo o lado de todos os lados. A inteligência da mulher inteligente não tem rei nem roque – e é por isso que ela é uma rainha, uma estrela, a senhora de todas as senhoras. A mulher inteligente não tem um pingo de vergonha. Mesmo que seja tímida, mesmo que não mostre, de todo, a todos, aquilo que é: a mulher inteligente não tem um pingo de vergonha. É uma desavergonhada da pior espécie, uma descarada sem remédio. A mulher inteligente é a pêga preferida do seu homem – que é, claro está, o único cliente que ela admite na sua inteligência. A mulher inteligente não tem dono nem é dona – mas gosta de mandar e de ser mandada, de saltar e de ser saltada, de dançar e de ser dançada. A mulher inteligente exige ser seduzida a toda a hora – porque tudo o que ela faz, a toda a hora, é seduzir. Até um arroto de uma mulher inteligente seduz – de tão inteligente que é. A mulher inteligente seduz com tudo o que faz, a toda a hora em que o faz, de toda a maneira que o faz. E nada é mais certo do que isso: se a mulher inteligente o faz é porque era assim que tinha de ser feito. Bem feita. 
 
Hoje apetece-me escrever à minha mulher inteligente e dizer-lhe que tem em si todas as obras-primas da História da arte. 
 Hoje apetece-me escrever-te e dizer-te que a vida só existe para que tu possas estar viva. Hoje apetece-me dizer-te, sim, que tudo o que tenho para te dizer já foi dito. Mas que o mais importante do que te quero dizer é o que ficou por dizer. Digo-to ao ouvido daqui a pouco. 

Fábrica de Escrita

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