segunda-feira, 30 de novembro de 2009

El Niño

O garoto que agita o clima mundial
Ele é um garoto sapeca. Ninguém sabe muito bem a hora em que ele vai aparecer. Por onde aparece, muda a ordem das coisas, do jeito dele, sem se importar com as conseqüências. Quando alguém que não o conhece direito vê algo fora do lugar, já fala que a culpa é dele. Mas ele não é só desgraça, não: coisas boas acontecem quando ele passa. E, se não bastasse isso, ele tem uma irmãzinha, tão travessa quanto ele, mas que aparece bem menos. Você já ouviu falar dele...

El Niño é o garoto. El Niño é o nome pelo qual é conhecido o fenômeno que provoca o aquecimento da superfície da parte leste do oceano Pacífico, junto ao litoral de Peru e Equador, estendendo-se para oeste, ao longo da linha do Equador, fenômeno que, em geral, se inicia no meio de um ano e termina no fim do ano seguinte. Em oposição a ele, La Niña é o nome que se dá ao efeito contrário, ou seja, ao resfriamento da superfície da mesma região do Pacífico. Os efeitos dos dois fenômenos no clima mundial não são sempre opostos.

Ainda não há consenso entre os cientistas sobre as razões que provocam El Niño, mas o seu mecanismo já é bem conhecido. Em períodos normais, os ventos no oceano Pacífico sopram fortemente do leste (América do Sul) para oeste (Ásia). As correntes marítimas quentes do Pacífico equatorial têm essa mesma direção. Isto provoca uma elevação de até 60cm no nível do oceano na costa das Filipinas em relação à do Panamá, além de uma temperatura da água até 8oC mais elevada na costa asiática. Este excesso de temperatura facilita a evaporação e causa as chuvas intensas normalmente observadas na Indonésia.

A temperatura na superfície oceânica é mais baixa no litoral sul-americano porque a corrente marítima de Humboldt leva águas frias da região antártica para a equatorial. A corrente de Humboldt também arrasta plâncton, ou seja, animais e outros seres microscópicos, que servem de alimento aos peixes. Por isso, observa-se uma população de peixes muito grande nessa região do Pacífico.




Entretanto, toda essa dinâmica é alterada em períodos de El Niño. As correntes marítimas quentes da região equatorial passam a se deslocar no sentido inverso, ou seja, em direção à costa peruana. Os ventos em direção ao oeste tornam-se bastante fracos ou mesmo sopram na direção contrária, dependendo da força de El Niño.
O meteorologista britânico Gilbert Walker observou, em 1923, relação entre as leituras dos barômetros, ou seja, as pressões atmosféricas, de duas estações meteorológicas localizadas na ilha do Taiti, na Polinésia Francesa (Pacífico central), e em Darwin, no norte da Austrália. A pressão em Darwin geralmente é bem mais baixa que no Taiti, o que justifica os fortes ventos na direção da Austrália. Em períodos de El Niño, no entanto, as pressões atmosféricas se tornam mais próximas entre si, enfraquecendo os ventos.
Walker deu a esse fenômeno o nome de Oscilação Sul, visto que as duas localidades estão situadas abaixo do paralelo 10º sul. Ele também percebeu que, enquanto persistia a baixa diferença entre os barômetros, o sudeste asiático, a Índia e a Austrália passavam por períodos de seca intensa, embora fosse incapaz de explicar a razão. Novos fatos foram descobertos nas décadas seguintes, como ilhas do Pacífico equatorial que, embora desérticas, recebem chuvas muito intensas e contínuas em anos de El Niño, devido à mudança dos ventos.

O meteorologista sueco de origem norueguesa Jacob Bjerknes passou a pesquisar El Niño na década de 1960. Ele foi o cientista que primeiro registrou a elevação anormal de temperatura da superfície oceânica junto à costa do Peru. Foi ele também quem percebeu a relação entre esse fenômeno e a Oscilação Sul, explicando, assim, as secas na Ásia e na Austrália.

O fenômeno El Niño recebeu este nome no fim do século 19 dos marinheiros de Paita, cidade de 35 mil habitantes no noroeste do Peru. Os marinheiros associaram a mudança na direção da corrente marítima ao nascimento do menino Jesus porque o efeito é percebido próximo à virada de ano. Mas antes disso, pescadores peruanos já notavam, em alguns anos, uma grande redução na farta quantidade de peixes normalmente disponível.


Paita: cidade portuária de paisagem árida
Crédito: Paitanet.com

Essa redução da população de peixes em anos de El Niño é devida a um impedimento da corrente de Humboldt em emergir à superfície oceânica na região da linha do Equador. Com as correntes quentes indo em direção ao Peru, aumenta imensamente nessa região o volume de água quente, que fica na parte superior do oceano. Com isso, a água fria da corrente de Humboldt cruza a costa peruana em uma profundidade muito maior.
A corrente quente superficial, ao mudar de direção, leva os peixes para o sul, próximo da costa chilena. Nesse local a corrente fria ainda consegue emergir e alimentar os peixes, beneficiando a pesca chilena no lugar da peruana. Além disso, são beneficiados os agricultores peruanos, que vêem chover fartamente numa região normalmente muito árida. A produção de camarões nos estuários peruanos também aumenta muito, pelo aumento da vazão dos rios.

No Brasil, os efeitos de El Niño são menos intensos. As mudanças climáticas mais observadas são secas na Amazônia, principalmente no verão; secas também na estação chuvosa do interior do Nordeste (de fevereiro a maio); aumento de temperatura no centro-sul do país; e enchentes na região Sul, em especial no meio do segundo ano de El Niño.

El Niño é único no planeta. Um fenômeno que altera a dinâmica do clima em todo o planeta só ocorre no oceano Pacífico porque esse oceano é muito grande, ocupando quase 40% da superfície terrestre. Há oscilações equivalentes a El Niño no oceano Atlântico, mas sua influência no clima é apenas local. Ainda há muito a entender sobre os fenômenos meteorológicos do planeta. Conseguir prever quando chegará o "garoto", e com isso evitar tragédias e tirar proveito do fenômeno, é mais um desafio da ciência.
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Créditos: © Revista Eletrônica de Ciências - Número 16 - Fevereiro de 2003.
Daniel Perdigão Nass - Estudante do curso de química do IQSC-USP - Instituto de Química de São Carlos da Universidade de São Paulo

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