domingo, 4 de abril de 2010

Sempre ONeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee....

Gente que nunca desliga

Têm horários de trabalho alucinantes e estão sempre disponíveis. Histórias de quem está sempre "on"

Paulo Pinto, corretor da Bolsa
É mais forte do que ele. Sempre que vai jantar fora, Paulo Pinto, de 54 anos, corretor da Bolsa, faz vários cálculos. Não que precise de contar os trocos para saber se pode pedir o prato mais caro. As contas, aliás, não têm nada a ver com ele. É o negócio que lhe concentra todas as atenções. Olha à sua volta, vê quantas mesas estão ocupadas, calcula o número de pratos servidos nessa noite, multiplica pelo preço médio e subtrai o que estima serem os ordenados dos empregados, para perceber se o restaurante é ou não viável. A operação demora poucos segundos e já nem sequer é consciente. Não escolhe hora, nem local, e muito menos precisa de um pretexto. "Simplesmente está sempre a acontecer. Mesmo se eu estivesse numa ilha isolada das Caraíbas. Não consigo parar de pensar em termos financeiros", explica.

Administrador da sociedade corretora Dif Broker, Paulo Pinto assume que não é uma pessoa calma. Gosta de viver em tensão, sempre com o pé no acelerador. Funciona ao mesmo ritmo com que os índices de mercado sobem ou descem. Mal acorda, ainda o Sol está longe de nascer, por volta das 05h30, ouve as notícias, liga-se à Internet e consulta, no terminal da Bolsa que tem em casa, como anda o valor do ouro ou a negociação das moedas. Antes das 8h já está no escritório, de onde só sai pelo menos 12 horas depois. Sempre sem comer. O 'almoço' é às 20h30. Parece cansativo? Paulo Pinto garante que a sua vida nada tem de extraordinário. Nem mesmo o facto de não gostar de tirar férias ou de achar que "a reforma é uma coisa que não faz muito sentido". "Não é que eu não desejasse ser capaz de desligar, mas não é possível, porque o mundo também não pára."

Paulo Pinto não é o único a viver em alta voltagem. Por feitio ou dever profissional, são muitos os que, como ele, roubam horas ao sono para ganhar horas ao dia. Fazem horários alucinantes, desdobram-se em mil e uma tarefas, estão permanentemente disponíveis e já não concebem a vida sem a Internet por perto. Tal como os seus telemóveis, estão sempre ligados. E não param de tocar.

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Parar ou morrer
Gabriela Sobral é viciada na adrenalina

Gabriela Sobral, 44 anos, directora-adjunta da produção nacional da TVI, não tem coragem para contar quantos telefonemas e e-mails recebe por dia. Deprimiria, confessa. Antes das 08h30 chega-lhe o primeiro SMS com o relatório da véspera: as audiências televisivas são o seu despertador. A partir daí esperam-na pelo menos mais 12 horas de trabalho. Sem contar com os muitos jantares profissionais e os guiões de novelas e séries que tem de ler antes de se deitar. Ou com as noites perdidas a sonhar com o que ficou por fazer, o que tem acontecido cada vez mais frequentemente. "Se mais horas o dia tivesse, mais horas eu estaria a trabalhar, porque há sempre mais e mais coisas para fazer. A sensação que tenho é que estou sempre em défice com o trabalho ou com alguém, seja familiares ou amigos, porque pura e simplesmente não tenho tempo."

No seu gabinete na estação de Queluz não há um minuto de silêncio. Nem tempo para um minuto de pausa. As três televisões estão permanentemente sintonizadas. Vê os programas da casa e não perde os da concorrência, ao mesmo tempo que atende chamadas, responde a e-mails e deita uma vista de olhos a um novo guião. "É a minha natureza, a minha maneira de estar na vida. Nunca desligo. Sou uma pessoa stressada e um bocadinho viciada na adrenalina", confessa.

Como qualquer vício, também este tem consequências. "O cérebro adapta-se a tudo. Se for treinado para dispersar a atenção, acaba por ficar rotinado nessa capacidade. Mas pode ter custos. Perde-se a concentração e a atenção focada que permite, por exemplo, ficar três horas a ler um livro", explica Alexandre Castro Caldas, ex-presidente do Colégio de Neurologia da Ordem dos Médicos. No limite, se a cabeça nunca desligar, nomeadamente através do sono, podem surgir "quadros graves de perturbação mental, como a depressão e até delírios e alucinações".

Gabriela já sentiu que "a coisa estava a ficar grave". Há cinco anos, estava a atingir o limite das suas forças. Mas nem por isso abrandou o ritmo. Continua ligada à corrente, com a consciência de que um dia terá de parar. "Não é possível viver assim muito mais tempo sem que haja consequências sérias. É uma espécie de parar ou morrer. Acho que a meta é aos 50", diz. Talvez aí cumpra o "sonho romântico" de deixar tudo e montar um negócio à beira-mar, nas praias idílicas de Moçambique.

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Meio ano de férias por gozar
Francisco George trabalha mais de doze horas por dia

A promessa de Francisco George, director-geral de Saúde, parece bem mais simples, mas nem por isso é mais fácil de concretizar. Sempre que o chefe da divisão dos recursos humanos do organismo o repreende por nunca tirar férias e recorda que é a lei que o manda fazer, George, de 62 anos, jura que um dia as vai gozar. Mas a resolução é invariavelmente adiada. E os dias acumulam-se. Já lá vão 147 em atraso.

Não é que não queira fazê-lo, mas não é fácil para quem tem a responsabilidade de coordenar hospitais, serviços de saúde e a resposta de emergência a situações de alto risco, como a pandemia da gripe A. Por várias vezes, teve de abdicar de dias de descanso em nome do sentido de missão. Lembra-se bem da vez em que, já de malas feitas na véspera da sua partida para férias, recebeu um telefonema alarmado do director-geral de Saúde da Irlanda a avisar que um casal que tinha estado no Algarve adoecera com uma encefalite provocada pelo vírus do Nilo Ocidental. Pelo tempo de incubação, só poderiam ter sido infectados em Portugal. "Foi muito complicado gerir esse risco, porque o Algarve estava a abarrotar de turistas. Foi preciso saber se havia mosquitos infectados e proteger as pessoas sem ser alarmista e criar o pânico. Foram dias terríveis, e obviamente as férias que eu ia tirar acabaram por desaparecer", conta. A história repetiu-se muitas outras vezes e voltou a acontecer em 2009 com a emergência da gripe A. No ano inteiro só conseguiu parar dois dias.

Mesmo sem pandemias e estados de alerta, os dias de Francisco George são tudo menos calmos. Entra na Direcção-Geral de Saúde às 8h, perde pouco tempo a almoçar (ainda que nunca ceda ao fast-food, sublinha), e só sai depois das 20h. Apesar das longas jornadas, há sempre mais coisas para fazer. "O trabalho é intenso e exige muito tempo e grande dedicação. Há vários dias em que as horas simplesmente não chegam. O horário de trabalho nunca é o suficiente", explica. Por isso, está necessariamente disponível e contactável 24 horas por dia. E trabalhar aos fins-de-semana já se tornou banal. Mas não se queixa - e muito menos planeia abrandar. "Sempre dediquei a minha vida ao interesse público, e não me sinto cansado", diz.

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Hiperactividade cerebral
João Moreira de Sá, mais conhecido no mundo virtual pela alcunha de «Arcebispo de Cantuária»

Já o ritmo louco de João Moreira de Sá, mais conhecido no mundo virtual pela alcunha de "Arcebispo de Cantuária", pouco se deve ao trabalho. "Comecei a acordar mais cedo há nove anos, quando tive filhos. Foi uma viragem na minha vida e senti que não tinha tempo para nada. Até que decidi 'fintar' os miúdos e acordar ainda mais cedo do que eles, porque é a única altura em que há sossego em casa", explica. O problema é que o 'estratagema' acabou por viciar o seu relógio biológico. Hoje não precisa de mais de quatro horas de descanso por dia, garante. Deita-se habitualmente pela meia-noite e pouco depois das 5h já está a transmitir saudações matinais aos 2752 seguidores que tem no Twitter e aos 791 'amigos' que mantém no Facebook.

A Internet é, aliás, o seu 'gabinete de trabalho'. Faz blogsitting, uma espécie de baby-sitting de blogues e contas de redes sociais criadas por empresas, instituições ou até personalidades, que o contratam para gerir em permanência a sua presença no mundo virtual. Além dos clientes, tem ainda de alimentar os cerca de 20 blogues que foi criando em áreas tão diferentes como o humor, a culinária ou a literatura e que contam já com um sem-número de fiéis seguidores. "Só desligo entre a meia-noite e as 4h, para dormir um bocadinho. De resto, é non-stop. Totalmente viciante", admite.

Tanto que bastou uma tarde de tempestade e quatro horas sem rede no telemóvel e sem electricidade em casa para que ficasse à beira do desespero. "Já me estava a preparar para sair de casa e correr à procura de Internet, desse por onde desse, quando finalmente a luz voltou. Não conseguia estar mais tempo desligado", relata.

Para conseguir ter ideias e criatividade suficientes para manter a 'produção', não dispensa as notícias da rádio, sintonizada o dia inteiro. Quase sempre na cozinha. Tal como o computador, onde está horas a fio a escrever, entre tachos e panelas. "Ouço as notícias enquanto escrevo na Internet, ao mesmo tempo que cozinho. Tudo isto com múltiplas personalidades na cabeça, tantas quantos os clientes para quem trabalho e para quem tenho de escrever em seu nome, em áreas que podem ir do ambiente às obras públicas ou até aos discursos políticos", explica. "É uma espécie de hiperactividade cerebral." Que nunca lhe permite premir o botão off.
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Créditos: Joana Pereira Bastos (www.expresso.pt)
Publicado na Revista Única do Expresso de 27 de Março de 2010

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